quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Eu, eu ando de passo leve pra não acordar o dia. Sou da noite a companheira mais fiel qu'ela queria!

Amo a guerra, adoro o fogo. Elemento natural do jogo, senhores: Jamais me revelarei!
E quão longa é a noite. A noite eterna do tempo. Se comparado ao curto sonho da vida. Chega enfeitando de azul a grande amante dos homens. Guardando do sol, seu beijo incomum..... ah! Seja bom ou o que não presta. Acendo as luzes para nossa festa, senhores: Eu sou o mistério do sol! Mas é com o sol que eu divido toda a minha energia. Eu sou a noite do tempo. Ele é o dia da vida. Ele é a luz que não morre quando chego e anoiteço. O sol dos dois horizontes a mais perfeita harmonia. Eu, eu ando de passo leve pra não acordar o dia.

Raul Seixas - Nuit

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos (…)

Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval john lennon e carlos gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que vezenquando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.
E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Carta a um amigo distante

Hoje quero estar contigo amigo
Porque gosto da tua presença
Em frente de mim, porque o mesmo há
De te ocorrer a ti porque é belo
Que aconteça isso aos dois.

Hoje quero estar contigo amigo
Emocionados ao se abrir uma flor
Discutindo porque o balão
Explodiu nos embriagando
De riso e de dor.

Hoje quero estar sem entender
A distância que vai nos separar
A fronteira que lacera
O pouco que resta
Para que possamos
Nos tempos que chegam
Repartir o amor.

Hoje quis estar contigo amigo,
E a dura realidade destruiu
O doce sonho que forjamos tu e eu
Talvez amanhã haja outra sorte.
Tomara.
Adeus.


Nota do tradutor: A palavra “balão”, em espanhol “globo” tem dois significados, importantes para a letra: globo = balão de aniversário e globo = globo terráqueo.
A música concilia os dois significados.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria... É só o amor que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal, não sente inveja ou se envaidece...
O amor é o fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer...
É um não querer mais que bem querer, é solitário andar por entre a gente, é um não contentar-se de contente, é cuidar que se ganha em se perder... É um estar-se preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor, é um ter com quem nos mata a lealdade, tão contrária a si é o mesmo amor... Estou acordado e todos dormem, agora vejo em parte mas então veremos face a face. É só o amor que conhece o que é verdade... Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos sem amor, eu nada seria.
(Legião Urbana - Monte Castelo)

sábado, 21 de agosto de 2010

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

É engraçado essa história de amor... pensar que nessa hora existe um monte de gente morrendo de amores em vários cantos do mundo. Casais apaixonados em Paris, pessoas transando em um motel barato, uma mulher de coração partido comendo chocolates no quarto e jurando pra si mesma que sim, ela goza melhor sozinha, um homem triste e solitário se derramando dentro de uma mulher a quem ele nunca dará seu coração.
Ninguém sabe usar amor. O amor não é usável- pensei. Talvez o amor, essa palavra, seja exatamente isso. O não-saber. Sentimento-grito. Objeto-pulsante. Só isso: O amor, essa palavra...

"Tudo que parece meio bobo é sempre muito bonito, porque não tem complicação. Coisa simples é lindo. E existe muito pouco." Caio Fernando Abreu


quinta-feira, 24 de junho de 2010

O meu amor tem um jeito manso que é só seu. E que me deixa louca quando me beija a boca. A minha pele toda fica arrepiada e me beija com calma e fundo, até minh'alma se sentir beijada. O meu amor tem um jeito manso que é só seu. Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos, com tantos segredos lindos e indecentes. Depois brinca comigo, ri do meu umbigo e me crava os dentes. Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz. O meu amor tem um jeito manso que é só seu. De me deixar maluca quando me roça a nuca e quase me machuca com a barba malfeita e de pousar as coxas entre as minhas coxas, quando ele se deita. O meu amor tem um jeito manso que é só seu. De me fazer rodeios, de me beijar os seios, me beijar o ventre e me deixar em brasa, desfruta do meu corpo como se o meu corpo fosse a sua casa. Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz. Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz.

(O meu amor – Chico Buarque)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Porta-retrato

Tinha secado: esse era talvez o ponto. Não a palavra exata, que já não tinha essas pretensões, mas a mais próxima. Sabia pouco a respeito de árvores, ou sabia de um jeito não-científico, desses de tocar, cheirar e ver, mas imaginava que o processo interno de ressecamento começasse bem antes da morte aparecer no verde brilhante das folhas, na polpa dos frutos ou na casca do tronco. Não era evidente nem externo ou explícito o que padecia. E padecia? perguntava-se detalhando os traços com as pontas dos dedos, nada que revelasse na umidade da boca ou num contorno de nariz — uma dor? Não era assim. Gostaria de voltar atrás, com sentimentos curtos e claros feito frases sem orações intercaladas, iluminar aos poucos, um mineiro, uma lanterna, o poço fundo, uma linguagem? A unha batia contra o dente. Contatos assim: uma coisa definida chocando-se com outra definida também. E não só contatos, emoções, linguagens. Quase analfabeto de si mesmo, sem vocabulário suficiente para explicar-se sequer a um espelho. Não queria assim, esses turvos. Não queria assim, esses vagos. Sem nenhum humor. Sem nada que pulsasse mais forte que o frio cuidado com que desordenava-se, um gole disciplinado de vodca quando alguma corda do violino rebentava em plena sinfonia e, no meio do palco, impossível deter o acorde. Unicamente imagens assim lhe ocorriam, essa coisa das árvores, das gramáticas, das minas, dos concertos. Elegantemente, sempre. As luvas brancas, as longas pinças esterilizadas com que tocava sem tocar o todo, o tudo e o si. Um vício que lhe vinha quem sabe da mania de ouvir música erudita, mesmo enquanto apenas vivia, antes os fones nos ouvidos que os gritos na vizinhança. E por mais que afetasse um ar de quem lentamente cruza as pernas em público, puxando com cuidado as calças para que não amarrotassem, saberia sempre de sua própria farsa. Tão conscientemente falsa que sua inverdade era o que de mais real havia, e isso nem sequer era apenas um jogo de palavras. A grande mentira que ele era, era verdade. Ou: a mentira nele nunca fora fraude, mas essência. Seu segredo mais fundo e mais raso, daí quem sabe a surpresa branca de quando ouvira um quase-amigo dizer que não passava de uma personagem. Prometera-se sentimentos sem intercalados, mas sentia agora uma necessidade de explicar ao ninguém que superlotava sua constante platéia, com ele sempre fora assim: quase-amigos, nada de intimidades. Mas voltando atrás no ir adiante: uma surpresa quê. Não, não uma surpresa quê. Uma não-surpresa surpreendida, pois como e porque se fizera visível e dizível naquele momento o que nem sequer alguma vez escondera? Perdia-se, não eram teias. Nem labirintos. Fazia questão de esclarecer que sua maneira torcida não se tratava de estilo, mas uma profunda dificuldade de expressão. Por esse lado, quem sabe? As emoções e os pensamentos e as sensações e as memórias e tudo isso enfim que se contorce no mais de-dentro de uma pessoa — tinham ângulos? Havia lados mais como direi? Fragmentava-se: era os pedaços descosturados de uma colcha de retalhos. Pedia atenção aqui, por favor, mais por gestos, entonações ou simplesmente clima, e regirava: era os retalhos, um por um, não a colcha, ele. Desde o xadrez vermelho ao cetim roxo sem estampa, e assim por diante, todos. Quase parava de aborrecer-se então, como quem troca súbito uma peça para violino e cravo por um atabaque de candomblé. O leve tédio suspenso como poeira espanada logo voltava a desabar. O bocejo era a compreensão mais amarga que conseguia de si mesmo. E posto isso, cabia a seguir qualquer atitude desesperada como casar, tentar o suicídio, fazer psicoterapia ou um concurso para o Banco do Brasil. Localizava-se, mais fácil assim, dando nome às coisas. Um entusiasmo tênue como o gosto de uma alface. Isso, estar, ser. Uma vontade de interromper-se aqui, paladar estragado pelo excesso de cigarros tentando inutilmente dar um nome ao gosto que fugia entre os dentes. Em algum quarto, há muito não sabia de línguas no seu corpo, ou tão sabidas tinham se tornado que. Vacilava entre a certeza quase absoluta de estar alcançando qualquer coisa próxima de uma sabedoria inabalável, alta como um minarete, gelada como um iceberg — melhor assim: uma montanha de compreensão sem dor de todas as coisas. Ou, talvez o ponto, nem icebergs, nem minaretes — mas árvore. Inventava com os olhos no ar vazio à sua frente um verde copado de sumarentos frutos, como se diria num outro tempo, se é que alguma vez se disse, dizia sim, dizia agora, desavergonhado e frio. Verde copado de sumarentos frutos. Folhagem de seda lustrosa. Tronco pétreo ancestral. O seco invisível como verme instalado no de dentro. Impressentível, sob a casca, caminhando lento, questão de tempo, apenas, e semente contendo o galho crispado, mão de bruxa, roendo. Tinha dois olhos duros. Dois olhos grandes de quem vê muito, e não acha nada. Tinha secado, era certamente esse o ponto. Nunca a palavra exata, esclarecera de início. Já não tinha mais essas pretensões.

Caio/sp/78

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quando frequentava a universidade, costumava parar – mais amiúde quando voltava para casa, e talvez o tivesse feito umas cem vezes – precisamente nesse lugar, e ficar perscrutando o panorama realmente magnífico e sempre chegando quase a surpreender-se com uma impressão vaga e sem solução. Um frio inexplicável sempre lhe vinha desse panorama magnífico; para ele esse quadro esplêndido era pleno de um espírito mudo e surdo... Sempre se admirava de sua expressão soturna e enigmática, e deixava para decifrá-la no futuro por não confiar em si mesmo. Agora se lembrava súbita e bruscamente dessas suas questões e perplexidades antigas, e lhe pareceu que não estava se lembrando delas por acaso. (...) Senti-a se mesmo quase ridículo, e ao mesmo tempo experimentava no peito uma pressão que chegava a provocar dor. Em algum ponto profundo, lá embaixo, que mal avistava sob os pés, apareciam-lhe agora todo aquele passado de antes, e os pensamentos de antes, e as tarefas de antes, e os temas de antes, e as impressões de antes, e todo esse panorama, e ele mesmo, e tudo, tudo... Parecia que ele havia voado para algum ponto no alto e que tudo desaparecera de sua vista... (...) depois, deu meia volta e foi pra casa. Teve a impressão de que naquele momento ele mesmo se havia amputado de tudo e de todos.

(Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Quando o coração ironiza, mulherzinha, tudo fica assim, sem sentido. Este mesmo coração que usava uma razão apoiada no sentimento e que depois de algumas histórias, hoje usa a emoção cravada na razão. É assim, depois de algumas noites não dormidas, coração aflito e uma pose de princesa que não combina com sua realidade, a boa mulher aprende, ninguém a faz chorar. Amar loucamente só se for ela mesma. Ninguém morrerá por amor, ninguém de verdade, óbvio! Mulher de verdade sangra, mulher de verdade não nasce pronta, se arruma com o dia a dia. Aliás, mulheres de verdade existem muitas mas boas mulheres são poucas, seja ela eu ou você.
E quando a razão passa a sonhar mais que o coração, é sinal que já foi ensinado a primeira lição da didática amorosa: o amor é eterno enquanto dura.



Ausente o encanto antes cultivado, percebo o mecanismo indiferente, que teima em resgatar sem confiança, a essência do delito então sagrado. Meu coração não quer deixar meu corpo descansar e teu desejo inverso é velho amigo, já que o tenho sempre a meu lado. Hoje então aceitas pelo nome, o que perfeito entregas, mas é tarde. Só daria certo aos dois que tentam se ainda embriagado pela fome. Exatos teu perdão e tua idade, o indulto a ti tomasse como benção, não esconda a tristeza de mim, todos se afastam quando o mundo está errado, quando o que temos é um catálogo de erros, quando precisamos de carinho, força e cuidado
Este é o livro das flores
Este é o livro do destino
Este é o livro de nossos dias
Este é o dia dos nossos amores.
(O Livro dos Dias - Legião Urbana)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Já me decepcionei tanto que cada pessoa que passo a conhecer, não crio expectativas boas. É triste mas é a verdade. Uma atenção cordial, uma gentileza que me faz tão bem, fazia, aliás, é motivo para desconfiança: “Não, não existe gentileza que dure uma vida toda". Nada dura uma vida, visão pessimista que a idade traz. Visão real da vida que é tão minha. Decepção que traz mais decepção não só com as pessoas que não sou, mas com a pessoa que sou. Ora, como quero que o mundo seja gentil e confiável comigo se eu mesma não sou fiel á mim? Trago nas lembranças uma navalha que sempre que começo a recordar, me corta, me rasga. "Não deveria ter feito nada daquilo", a navalha que me corta é a culpa. Meu estado de espírito soa jazz mais blues, com gosto de vinho e na forma de cinzeiro para um cigarro que nunca acendi. Ora, como quero outro estado de espírito sendo que o hábito faz a natureza? Minha natureza tem como hábito o abandono e mesmo que um dia o hábito seja a adoção, o primeiro que adotarei será aquele que sempre deixei de lado, eu.

quinta-feira, 20 de maio de 2010


XXII Encontro Regional dos Estudantes de Ciências Sociais
XXII ERECS - Londrina / Paraná - SUL

DATA: 03 | 06 | junho | 2010

TEMA
: “UM PROJETO DE EDUCAÇÃO, UM PROJETO DE SOCIEDADE”

LOCAL: Universidade Estadual de Londrina [UEL]

CIDADE: Londrina | Paraná | Brasil

ORGANIZAÇÃO
:
Comissão Organizadora do XXII ERECS

INFORMAÇÕES
:
● Blog - http://erecs-sul.blogspot.com/
● Perfil no Orkut - http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=91094857

CONTATO:
● erecs.uel@gmail.com
● thaty144@hotmail.com

sexta-feira, 14 de maio de 2010

“Ela é dividida contra si mesma muito mais profundamente do que o homem.(...) a mulher se conhece e se escolhe, não tal como existe para si, mas tal qual o homem a define.(...) o que o homem ama e detesta antes de tudo na mulher, amante ou mãe, é a imagem remota de seu destino animal, é a vida necessária a sua existência, mas que a condena à finitude e à morte.(...) Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade: é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.” Simone de Beauvoir, “O Segundo Sexo”

“A maior dificuldade de uma mulher é explicar-se, colocar em termos concretos o quê, afinal de contas, é ser mulher. Qual a especificidade? Seios e vagina? A especificidade na verdade, não passa de uma palavra mágica. De um símbolo que permite a cada mulher poder extravasar o seu sufoco.(...) Este signo permite a individualização de uma percepção abstrata: as mulheres sabem que têm muito em comum, que são “específicas” em relação aos homens. Mas têm dificuldade em nomear o que sentem.” Maria Quartim de Morais e Maria Mendes da Silva, “Vida de Mulher”

quinta-feira, 6 de maio de 2010


O que foi feito amigo
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida
O que foi feito do amor
Quisera encontrar
Aquele verso menino
Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade
Falo assim por saber
Se muito vale o já feito
Mais vale o que será
E o que foi feito
É preciso conhecer
Para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
Outros outubros virão
Outras manhãs plenas de sol e de luz

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta. Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve, você pode, você deve, pode crer. Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver. Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer. Até quando você vai ficar usando rédea? Rindo da própria tragédia? Até quando você vai ficar usando rédea? (Pobre, rico, ou classe média). Até quando você vai levar cascudo mudo? Muda, muda essa postura. Até quando você vai ficando mudo? Muda que o medo é um modo de fazer censura.

Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente, seu filho sem escola, seu velho tá sem dente. Cê tenta ser contente e não vê que é revoltante, você tá sem emprego e a sua filha tá gestante. Você se faz de surdo, não vê que é absurdo, você que é inocente foi preso em flagrante! É tudo flagrante! É tudo flagrante!

A polícia matou o estudante, falou que era bandido, chamou de traficante. A justiça prendeu o pé-rapado, soltou o deputado... e absolveu os PMs de vigário! A polícia só existe pra manter você na lei, lei do silêncio, lei do mais fraco: ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco. A programação existe pra manter você na frente, na frente da TV, que é pra te entreter, que é pra você não ver que o programado é você. Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar. O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar. E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar. Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá. Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar. Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar. Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar? Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar. Escola, esmola! Favela, cadeia! Sem terra, enterra! Sem renda, se renda! Não! Não!!

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente. E quando a gente manda ninguém manda na gente. Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança de postura a gente fica mais seguro, na mudança do presente a gente molda o futuro! Até quando você vai ficar levando porrada, até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai ficar de saco de pancada? Até quando você vai levando?

terça-feira, 27 de abril de 2010

Vivemos amores necessários e contingentes. Embora o primeiro seja o caminho, o repouso e o segundo vibração e êxtase; ao louvar os amores necessários que tive, não posso esquecer dos outros, que passaram na sombra, mas que nunca deixaram de viver em mim.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Você me olha com esse seu olhar de pena e compreensão e se faz meu chão sem nem perceber.
E eu penetro no seu mais doce, nos seus cantos mais úmidos, na sua dor mais secreta.
E de repente me sei e te sei, doloridos no chão do quarto, vivendo um pouco da vida que a gente deixa de viver. A vitrola num canto, Cartola, quem sabe. Ou um tango argentino. Coisa incompreensível. E nos damos as mãos de longe. E fechamos os olhos enquanto o resto do mundo se mata do outro lado da janela. E daí o choro vem, e choramos um choro surdo e cego, que nada quer ouvir e nem enxergar – essa realidade forçada e todo esse monte de palavras feias.
E abrimos os olhos e nos olhamos, sorrindo. Sim, sorrindo. E daí rimos muito, da nossa imbecilidade bonita de sentir sempre tudo tão doloridamente grande, da nossa pressa em se encontrar, da réstia sob a porta. Eu-você e essa pele em flor que nunca passa.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

minha realidade tem gosto de mel e girassóis

Ela era só uma moça querendo escrever um livro e ele era só um moço querendo morar num barco, mas se realimentando um do outro para. Para quê? Eles pareciam não ter a menor idéia.
O cheiro dele era tão bom nas mãos dela quando ela ia deitar, sem ele. O cheiro dela era tão bom nas mãos dele quando ele ia deitar, sem ela. O corpo dela se amoldava tão bem ao dele. (...) ela gostava quando, depois de muito tempo calada, ele pegava no seu queixo perguntando – o que foi, guria? Ele gostava quando ela dizia sabe, nunca tive um papo com outro cara assim que nem tenho com você. Ela gostava quando ele dizia gozado, você parece uma pessoa que eu conheço há muito tempo. Ele gostava tanto quando ela passava as mãos nos cabelos da nuca dele, aqueles meio crespos, e dizia bobo, você não passa de um menino bobo.
Ele disse:
- eu não vou me esquecer de você.
Ela disse:
- nem eu.
(...)
Que grande cilada, pensaram. Ficaram se olhando assim, quase de manhã.

Tocou-a devagar no ombro nu moreno dourado sob o vestido decotado e disse:
- sabe, eu pensei tanto. Eu acho que.
Ela se voltou de repente. E disse:
- eu também. Eu acho que.
Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora.
Bem perto dela, ele perguntou:
- o quê?
Ela disse:
- sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- você parece mel.
Ela disse:
E você, um girassol.
Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro.

Caio F.
(Mel e Girassóis – em Dragões não conhecem o paraíso)