terça-feira, 23 de agosto de 2011


Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa.
Acredito que essa moça, no fundo gosta dessas coisas. De se apaixonar, de se jogar num rio onde ela não sabe se consegue nadar. Ela não desiste e leva bóias. E se ela se afogar, se recupera.
Estranho e que ela já apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é?
A gente sempre acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pras feridas antigas?
A moça…ela muito amou, ama, amará, e muito se machuca também. Porque amar também é isso, não? Dar o seu melhor pra curar outra pessoa de todos os golpes, até que ela fique bem e te deixe pra trás, fraco e sangrando. Daí você espera por alguém que venha te curar.
Às vezes esse alguém aparece, outras vezes, não. E pra ela? Por quem ela espera?
E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará.
A moça – que não era Capitu, mas também têm olhos de ressaca – levanta e segue em frente.
Não por ser forte, e sim pelo contrário… Por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo.

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 21 de agosto de 2011

O Grande Sonho

Fevereiro de 1917. Comeca a revolucao mais violenta de todos os tempos. Em uma semana a sociedade se desfaz de todos os seus dirigentes: o monarca e seus homens da lei, a polícia e os sacerdotes; os proprietários e os gerentes, os oficiais e os amos.
Fevereiro de 1917. Comeca a revolucao mais violenta de todos os tempos. Em uma semana a sociedade se desfaz de todos os seus dirigentes: o monarca e seus homens da lei, a polícia e os sacerdotes; os proprietários e os gerentes, os oficiais e os amos. Nao há cidadao que nao se sinta livre para decidir em cada momento sua conduta e seu porvir. Surge entao, das profundezas da Rússia, um imenso grito de esperanca, nessa voz se mescla a voz de todos os desesperados, os humilhados e os desemparados. Em Moscou, os operários obrigam seus donos a aprender as bases do novo direito operário. Em Odessa, os estudantes ditam ao seu professor um novo programa de história das civilizacoes; no exército os soldados deixam de obedecer aos seus superiores. NINGUÉM JAMAIS HAVIA SONHADO COM UMA REVOLUCAO ASSIM. Agora esse sonho circula pelas veias de todas as almas desesperadas e desemparadas deste planeta. O Grande sonho A grande debilidade de muitos ?revolucionários? consiste em sua absoluta incapacidade de entusiasmar-se, de elevar-se sobre o nível rotineiro das trivialidades, de fazer surgir um vínculo vital entre ele e os que o rodeiam. O que nao pode incendiar-se, nao pode incendiar sua vida nem a dos demais. A fria malevolencia nao é o bastante para apoderar-se da alma das massas. Muitos revolucionários contemplaram a revolucao com um invejoso espanto. É que a vida pessoal dos revolucionários dificulta sua percepcao dos grandes acontecimentos dos quais participa. Mas as tragédias das paixoes individuais exclusivas é demasiado insípida para o nosso tempo. Porque vivemos em uma época de paixoes sociais. A grande tragédia de nossa época consiste no choque da personalidade individual com a comunidade. Para alcancar o nível de heroísmo e custear o terreno dos grandes sentimentos que dao vida, é necessário que a consciencia se sinta ganha por grandes objetivos. Toda catástrofe individual ou coletiva é sempre uma pedra de toque, pois desnuda as verdadeiras relacoes pessoais e sociais. Hoje em dia é necessário provar este mundo. O poeta, por exemplo, se sentiu independente do burgues e até se enfrentou com ele. Mas quando o assunto se tratou da revolucao, se mostrou um parasita até a medula dos ossos. A psicologia do indivíduo assim mantido e dedicado a ser sanguessuga humano, nao tem rastros de bondade de caráter, respeito ou devocao. Hoje em dia os ?mocinhos? estudam ainda em livros as custas do sacrifício dos explorados, se exercitam em periódicos e criam ?novas tendencias?. Mas quando uma revolta se produz seriamente, em seguida, descobrem que a arte se encontra nas cabanas, nos buracos mais reconditos, onde fazem ninho os cupins. É preciso derrubar a burguesia porque é ela quem fecha o caminho a cultura. A nova arte nao só desnudará a vida, mas lhe arrancará a pele. Amar a vida com o afeto superficial do deleitante, nao é muito mérito. Amar a vida com os olhos abertos, com um sentido crítico cabal, sem adornos, tal como nos aparece, com o que oferece, essa é a proeza. A proeza também é realizar um apaixonado esforco por sacudir aqueles que estao entorpecidos pela rotina, obrigar-lhes a abrir os olhos e fazer-lhes ver o que se aproxima.

León Trotsky