quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quando frequentava a universidade, costumava parar – mais amiúde quando voltava para casa, e talvez o tivesse feito umas cem vezes – precisamente nesse lugar, e ficar perscrutando o panorama realmente magnífico e sempre chegando quase a surpreender-se com uma impressão vaga e sem solução. Um frio inexplicável sempre lhe vinha desse panorama magnífico; para ele esse quadro esplêndido era pleno de um espírito mudo e surdo... Sempre se admirava de sua expressão soturna e enigmática, e deixava para decifrá-la no futuro por não confiar em si mesmo. Agora se lembrava súbita e bruscamente dessas suas questões e perplexidades antigas, e lhe pareceu que não estava se lembrando delas por acaso. (...) Senti-a se mesmo quase ridículo, e ao mesmo tempo experimentava no peito uma pressão que chegava a provocar dor. Em algum ponto profundo, lá embaixo, que mal avistava sob os pés, apareciam-lhe agora todo aquele passado de antes, e os pensamentos de antes, e as tarefas de antes, e os temas de antes, e as impressões de antes, e todo esse panorama, e ele mesmo, e tudo, tudo... Parecia que ele havia voado para algum ponto no alto e que tudo desaparecera de sua vista... (...) depois, deu meia volta e foi pra casa. Teve a impressão de que naquele momento ele mesmo se havia amputado de tudo e de todos.

(Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski)

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